Guerra da Rússia x Ucrânia: Uma nova onda de abusos na logística marítima e portuária?

Columbia Trading • 15 de março de 2022

Na esteira turbulenta da crise que tem abalado o comércio exterior realizado pela via marítima, que transporta 80% do comércio mundial (Unctad, 2021), causado pela Covid-19, é preciso que o usuário de transporte marítimo e o afretador de navios tenham maior atenção diante de nova onda de problemas decorrentes da invasão da Ucrânia pela Rússia.


Essa tempestade em terra, no ar e no mar, ainda sem prazo para terminar, poderá ensejar novas condutas oportunistas por parte de alguns transportadores ou seus agentes.


O usuário já convivia, muito antes da pandemia, com várias práticas abusivas decorrentes, em parte, das assimetrias de informação e de representação, da transnacionalização (busca de registro de navios para espaços de baixa ou nenhuma regulação, como os países de bandeira de conveniência), da concentração horizontal e da verticalização, vez que o setor de transporte marítimo de contêiner é extremamente concentrado e a regulação é ex post.


Nele, três grandes grupos movimentam cerca de 77% dos contêineres do mundo e o abuso dessa posição dominante se verifica na criatividade das diversas estratégias para aumentar os seus lucros, o que é legítimo, todavia muito acima dos custos marginais.


Essa absurda concentração, juntamente com a regulação ainda com muito espaço para melhorar, embora se reconheça o esforço da Antaq para exigir a prestação do serviço adequado, e o desconhecimento dos seus direitos, por grande parcela de usuários (no Brasil são mais de 200 mil) e afretadores, tem contribuído para o aumento dos abusos e da perda de competividade dos produtos brasileiros, especialmente a partir de janeiro de 2020 no transporte de linhas regulares.


Nas rotas de importação vindas da China, o frete médio registrado em julho de 2021 foi 7,35 vezes maior do que há um ano. Há um derretimento de qualquer ganho de produtividade da economia, em função dessa apropriação indébita por parte de algumas empresas, como se dá no THC ressarcimento (“rachadinha”), inclusive com evidências de sonegação fiscal, e detention/demurrage.


A rota Xangai-Santos apresentou um custo de US$ 11 mil por contêiner de 20 pés, contra US$ 1.500 em agosto de 2020. É um nível histórico, que não deve recuar tão cedo.


Principais problemas do shipper e do afretador de navio


Os principais tipos de problemas decorrentes da pandemia no contexto da performance dos contratos de transportes de mercadoria e de afretamento, e que poderão se repetir, com as devidas particularidades da Guerra da Rússia contra a Ucrânia, por ser localizada embora os dois países sejam parceiros comerciais do Brasil, são os seguintes:


– Cobrança de detention pelo armador ou agente, quando o usuário entrega o contêiner antes do deadline e o navio atraso


– Cobrança de armazenagem adicional por parte do terminal, quando o navio atrasa, ainda que o embarcador tenha depositado o contêiner antes do deadline


– O direito do transportador de redirecionar a carga devido à insegurança no porto de destino, congestionamento, ou desvio de rota para desembarcar tripulante para atendimento médico e responsabilidade no contrato de afretamento para pagamento de consumo extra de combustível.


– Efeito dos atrasos decorrentes de troca de tripulação.


– Suspensão do laytime nos contrato de afretamento durante troca de tripulante enquanto navega de ponto de fundeio para outro porto, ou enquanto o navio aguarda para ser chamado para atracar.


– Diversas causas concorrentes de atraso, como quarentena e congestionamento no porto.


– Cancelamento de contrato de afretamento devido ao fato do navio não ter conseguido a livre prática.


– Prejuízos econômicos devido ao atraso causado por quarentena e congestionamento no porto devido à pandemia.


– Detenção (retenção) de navios devido à tripulação ter ficado além do prazo máximo permitido pela Maritime Labour Convention 2006.


– Danos materiais à carga perecível devido à quarentena ou congestionamento no porto devido à pandemia.


– O efeito das cláusulas de força maior na responsabilidade de tais atrasos.


– A potencial quebra do contrato de transporte ou do afretamento por tempo (TCP) devido aos atrasos para performar o transporte ou as viagens contratadas, que decorrem de restrições da pandemia nos portos.


– Atrasos no final da viagem num TCP, devido às restrições da Covid-19, resultante da reentrega do navio pelo seu afretador


– Insolvência dos proprietários do navio ou do afretador devido à pandemia


– Demurrage de navio causada por terceiros, passível de análise para eventual ação de regresso contra o causador do dano, pelo afretador, após o pagamento ao fretador.


– Insolvência dos proprietários do navio ou do afretador devido à pandemia


– Falta de formação e capacitação adequada (especializada) do Poder Judiciário para compreender as particularidades e a complexidade dos conflitos no transporte marítimo e na atividade portuária, aliada à morosidade do sistema judiciário, embora os seus magistrados sejam bastante qualificados para julgar outras demandas. Não é um problema somente do Judiciário brasileiro.


A Política de Biden e do Governo indiano para reduzir os abusos


Nos EUA, onde a regulação setorial tem sido mais ativa no combate aos abusos por parte de alguns armadores, o governo Biden tem acionado o FBI (equivalente à Polícia Federal), a Autoridade Antitruste, que tem as funções do CADE, assim como a Federal Maritime Commission (FMC), que possui competências semelhantes aquelas da Antaq no Brasil.


Segundo o briefing do discurso anual de Biden no Congresso sobre o Estado da União, realizado no dia 2 de março, o presidente anunciou uma cooperação de larga escala entre o Departamento de Justiça e a FMC para garantir a competitividade da cadeia de suprimentos do mercado norte-americano. Segundo ele, “o poder causado pelas três alianças de armadores de contêineres que vem aumentando os preços para os empresários e consumidores dos EUA, ameaçam a nossa segurança nacional e a competitividade da economia”.


Tratando-se das consequências da crise decorrente da Covid-19, cabe destacar os problemas que vêm causando a detention de contêiner. Para atacar essa externalidade negativa, o Ministro de Transporte indiano, em decisão de 29 de março de 2020, notificou os armadores de contêineres para não cobrarem detention nos embarques entre 22 de março e 14 de abril de 2020.


Em outra norma, de 31 de março de 2020, o Ministro notificou as empresas de navegação para não cobrarem diversas rubricas de serviço relacionadas a preço de fundeio adicional, armazenagem portuária, ou qualquer cobrança aos proprietários de carga e consignatários de carga não conteinerizada no mesmo período. Tal política foi concedida para evitar embargo pelo não pagamento de cobranças adicionais durante o período.


Impactos da Guerra no Brasil


Voltando à crise da Rússia, para citar um exemplo, já temos visto armador ou agente pressionando o usuário exportador no Brasil para alterar o Incoterm de FOB para CIF, a fim de exigir desse o pagamento do frete dos contêineres que foram transportados para a Rússia, ainda que o Incoterm seja CIF.


Nesse caso, o importador russo contratou o frete no destino (collect), mas como o transportador marítimo não consegue receber devido ao embargo financeiro à Rússia, como na suspensão do SWIFT, o carrier obriga o exportador a alterar o Incoterm para que o pagamento seja feito por ele.


É preciso ter cautela nesse momento, a fim de que seja efetuada a análise de todas as cláusulas contratuais do Conhecimento de Embarque (BL) e do Booking (reserva), geralmente fundadas em dispositivos de convenções não ratificadas pelo Brasil, de modo que grande parte delas viola o direito brasileira, portanto, são nulas.


Outros problemas podem ocorrer com a carga desembarcada em porto diverso do contrato e até mesmo país, bem como atraso na entrega.


Essas externalidades negativas, em face do prejuízo ao usuário, devem ser analisados com cautela, e cada operação tem suas particularidades operacionais e logísticas, especialmente porque os Bookings (reservas) e conhecimentos de embarque marítimo, são impostos unilateralmente pelo armador ou agente.


Todos sabemos que não há qualquer margem de negociação, em relação ao valor, pois há casos de diária de demurrage/detention de US$ 500 para contêiner refrigerado, e em relação a diversas cobranças extra-frete como ELF (export logistics fee), já declarada ilegal pela Antaq, mas ainda cobrada para alguns usuários, em função de liminar judicial, ILF (import Logistics fee) e IRS (incorrect seal charge), dentre muitas outras.


Há casos de cobrança de demurrage de três contêineres em valor de R$ 1,6 milhão, para um frete no valor de EUR 4 mil, e carga no valor de R$ 70 mil. É comum ações judiciais em processo de execução em valor de R$ 250 mil, quase 10 vezes o valor do frete e o dobro do valor da carga. A Antaq vem trabalhando para impor critérios para evitar tais abusos.


Temos observado ao longo de quatro décadas de atuação no setor marítimo e portuário, sendo quatro anos como piloto de navios mercantes no longo curso, e trinta anos como advogado, várias práticas abusivas que se repetem.


Uma delas, mesmo antes da guerra acima, é a transferência de um risco que é do armador para o usuário, por meio da cobrança do usuário exportador de detention por armador/agente e de armazenagem adicional por terminal portuário, ainda que aquele entregue o contêiner antes do deadline.


O problema se agrava quando o exportador brasileiro vende FOB, ou seja, sequer contrata o transportador marítimo e muito menos define o terminal molhado de embarque.


Nesses casos, os prestadores de serviços têm deslocado o risco da sua operação (terminais e armadores), quando o navio atrasa ou quando suprime a escala naquele porto (“dá uma rasteira no porto” como se fala na Marinha Mercante), causando danos financeiros e comerciais ao usuário, com o envio de notas de débito indevidas, assim como ameaça de inclusão do nome do exportador nos serviços de proteção de crédito e protesto do título.


As medidas da Antaq


A Antaq, quando provocada pelo usuário, desde que tenha provas suficientes, tem se manifestado a favor de suspensão da cobrança, ainda que em caráter liminar, como em caso recente no valor de R$ 88,5 mil, efetuada por um agente intermediário global.


No mesmo caso, a agência determinou a abertura de investigação tendo em vista indícios de ágio de 12,5% sobre o câmbio oficial, que não somente é ilícito administrativo passível de multa, mas também é crime de usura, e pelo fato do citado agente cobrar detention de 200% acima do valor cobrado pelo armador (transportador efetivo).


Ou seja, enquanto o armador cobra R$ 30 mil, o agente intermediário exige o pagamento de quase R$ 90 mil, ironicamente de uma cobrança ilegal. Três ilegalidades numa única nota de débito!


Em muitos casos a cobrança é ilegal, e quando o usuário contesta, o prestador de serviço concede “um desconto” de 30% a 50%, geralmente com prazo exíguo para que o usuário analise e aceite. O usuário aceita, muitas vezes, e acredita que fez um “bom acordo”.


O que fazer?


Em conclusão, nas suas operações logísticas de comércio exterior e até mesmo na cabotagem, é importante que o usuário tome cautelas desde o momento que recebe o primeiro e-mail do armador, do agente intermediário ou do terminal; passando pelo Booking até o recebimento do BL.


O mesmo se dá no pagamento de demurrage de navio, onde eventual ação indenizatória deve ser analisada após o pagamento ao fretador.


Assim sendo, recomenda-se que o usuário de transporte marítimo, de serviço portuário ou afretador de navios busque assessoria jurídica especializada, pois toda cobrança deve ser analisada antes do seu pagamento e, se for o caso, contestada e cancelada, ou ter o seu valor reduzido.


A experiência mostra que em alguns casos, a negociação direta do cliente acompanhado por assessoria jurídica, com o prestador serviço surte efeitos, pois esse busca evitar denúncia nos órgãos competentes e sanções inclusive multa e outras medidas, em face do modelo de regulação responsiva adotado.


Afinal, o regime de regulação econômica da Antaq é o de liberdade de preços, e ela atua somente quando o prejudicado a provoca, inclusive para fins de redução de valor abusivo, cancelamento e devolução de cobrança ilegal.


Enfim, é preciso muita cautela nesses tempos difíceis de suportar. Mares fortes fazem bons marinheiros.


Fonte Internet: Aduaneiras, 03/03/2022

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